A Geladeira, o Verão e a Empatia
Segunda quinzena de fevereiro o verão carioca entra em sua reta final. Não deixa de ser uma hora onde misturamos sentimentos de exaustão do calor com o de nostalgia pelo término desta estação, tão marcante no Rio de Janeiro. Fica sempre um gostinho de saudade dos dias ensolarados, da luminosidade, das praias e do bronzeado da maioria.
Particularmente, o balanço deste verão está sendo muito positivo. No entanto, não posso me esquecer da pitoresca história da compra de minha geladeira nova em pleno dezembro! Pior, esta compra não foi devido àquele sentimento consumista que nos assola naquele mês que, ao seu final, temos um encontro marcado com Papai Noel. Foi por necessidade, mesmo. Minha antiga geladeira, já fazia tempo, estava dando claros sinais de senilidade. E, claro pifou de vez no auge do calor! Em pleno dezembro!
Conformado, ainda não muito familiarizado com as compras pela internet, fui a uma dessas lojas famosas pela venda da chamada “linha branca”. Dono de casa convicto, escolhi, com a ajuda de uma vendedora já conhecida, uma geladeira cuja marca era “top of mind”! Usando do meu prestígio de cliente fiel pedi a ela que me informasse exatamente a data que a dita cuja estaria em minha casa. Dito e feito: no dia seguinte ela me ligava dizendo que a geladeira chegaria na terça-feira, da semana seguinte. Quem já passou por essa experiência de ficar sem geladeira em pleno verão sabe que a notícia da chegada de uma nova é motivo quase que de pintar a casa e estofar os sofás para recebê-la, com as honras de quem recebe uma grande senhora! Afinal uma geladeira nova é sempre um mega impacto no cotidiano de uma casa e das pessoas que lá habitam especialmente no verão tórrido, da cidade maravilhosa.
Após um final de semana que parecia nunca acabar sem geladeira, chega a terça-feira. Logo pela manhã, recebo outro delicado telefonema, agora já de alguém do departamento de entrega da loja, dizendo que “infelizmente a geladeira somente chegaria na quarta”. Uma decepção! No entanto, rapidamente absorvida pois o que é apenas mais um dia quando se tem a confirmação de que “ela”, finalmente, adentrará a nossa casa?
Após um dia de trabalho fora, volto para o divino lar por volta das 16h00 e, ainda no caminho, recebo telefonema da transportadora dizendo que “mais uns 20’ a geladeira chegaria”. Cheguei em casa antes disso e fui direto para o meu escritório pois tinha ainda muito o que fazer. De repente, minha assessora do lar (antiga “empregada doméstica” mas que pelo que custam atualmente foram promovidas na função) bate na porta de meu escritório me dando a notícia que “os rapazes da geladeira estavam dizendo que ela não passaria pela porta de entrada e que, para tal, seria necessário que um técnico especializado da fabricante voltasse a meu apartamento para retirar as portas da geladeira”?! Meio que entre o perplexo e o decepcionado, levantei e fui conversar com eles. Pude verificar então, que tratava-se de uma questão de “alçada”. Isto é, para efetuar uma operação daquela complexidade (retirar as portas e depois recolocá-las) somente os “especialistas” da fabricante. Diante daquela notícia “arrasadora” eles dão meia volta e levam a geladeira, de volta. Fiquei com a missão passiva de aguardar um novo telefonema, desta vez dos técnicos da fabricante, para remarcarem uma nova data para a entrega. É importante lembrar que o calor naquela tarde era insuportável! Mas, em nome do bom senso, resolvi acatar o meu destino e por mais alguns dias, continuar a tomar água quente que aliás, os chineses dizem fazer muito bem?! Considerando que era fim de quarta-feira, dificilmente a “equipe técnica” da fabricante me retornaria com alguma notícia que possibilitasse eu ter a geladeira funcionando, antes do final de semana. Mas como devemos sempre pensar no melhor, acreditava que este milagre pudesse ocorrer!
Não deu outra. Quinta-feira, à tarde, atendo a uma voz grave e imponente (típica da sabedoria dos técnicos) me informando que os “técnicos da fabricante” (estou evitando mencionar seu nome para evitar problemas…) levariam a geladeira na sexta-feira, isto é no dia seguinte, à tarde. Me senti um premiado na loteria! Teria minha geladeira no final de semana e minha vida voltaria, finalmente, ao normal.
Sexta-feira, novamente, ao retornar para casa lá pelas 16hs eles me telefonam dizendo que estavam chegando. Ok, respondo eu meio que entre o conformado e o feliz. Entro em casa, dou a notícia a minha “assessora do lar” e peço para que ela resolva tudo e somente me chame para finalmente ver a dita cuja e quem sabe, voltar a tomar algo gelado. Quando para minha surpresa ela novamente bate em minha porta me dizendo que estava faltando luz e que eles não poderiam subir com a geladeira, sem elevador! Me senti um azarado de nascença! Mas, cinco minutos depois vem a nova notícia. A luz voltou!!! Mais animado pensei comigo, agora é só esperar.
Nada! Rapidamente fui informado pela minha assessora que eles haviam subido com a geladeira mas não poderiam entregá-la porque a geladeira antiga (a culpada por toda essa confusão) estava no lugar onde ficaria a nova?! É surpreendente mas é verdade! Eles estavam lá para colocar a nova geladeira mas não para retirar a velha!!!
Fiz toda esta narrativa para que o significado de empatia fique bem claro;
Aqueles que me aguentaram até aqui hão de concordar comigo que aquilo não era para qualquer um. Aquela nova notícia me tirou do sério. Levantei-me e me dirigi até os dois “técnicos”, que diga-se de passagem o menor tinha uns 30 centímetros mais que eu. Me dirigi a eles, digamos que, de forma não muito delicada. Falei-lhes, quase que aos berros, que aquilo era uma palhaçada e que parecia um roteiro de humor negro. E que eu não tinha nenhuma obrigação de retirar a geladeira velha e que no ato da colocação eles, claro, com um mínimo de boa vontade, poderiam retirar a outra. Naquele momento, acreditem, era capaz de encarar o Mike Tisson, não o atual mas o dos velhos, tempos!
Foi quando um deles, retrucou dizendo que eu não estava sendo educado com eles e que ele não tinha mesmo a obrigação de retirar a geladeira velha. Discussão armada e eu me vendo na eminência de mais uma vez ver a minha geladeira voltando! Àquela altura, uma verdadeira calamidade!
Até que o segundo, ainda maior, fala uma frase santa: “Eu entendo o Sr.” . Vejam vocês, neste momento eu percebi que ao menos alguém neste mundo me entendia! Aquela obviedade me transformou de um gladiador num negociador como que num toque de mágica. Baixei o tom da minha voz, e comecei um diálogo absolutamente transformador que resultou, claro, na instalação da geladeira e pasmem vocês, na doação da geladeira velha para o meu opositor da dupla que acabou dizendo-se muito meu amigo – quase de infância – tal a felicidade dele de ficar com a velha geladeira.
Sempre achei a empatia algo tão importante numa negociação quanto abstrato para ser bem compreendido pelos alunos. Até que surgiu esta história verdadeira que melhor que ninguém é capaz de explicá-la, por si só. Em conclusão, numa negociação é fundamental entrarmos nela procurando nos colocar no lugar do outro. Procurando entender seu ponto de vista. Lembrando sempre que entender não é concordar. Mas, que, mesmo assim, faz toda a diferença.