De Pelé à Neymar
Apesar de já ter morado em SP e conhecer inúmeras capitais e cidades do Brasil, não conhecia Santos. Em maio deste ano (2019) precisei, por conta de meu trabalho, passar quatro dias naquele agradável balneário. Ao lá chegar falei com o motorista que queria, antes mesmo de ir para o hotel, conhecer Vila Belmiro. O lendário estádio em que o Rei Pelé reinou por muitos anos juntamente com outros inesquecíveis jogadores tais como Pepe, Zito (este com estátua e tudo em frente ao estádio) e Coutinho. Estar ali me trouxe muitas boas lembranças. Lembranças , que pessoas que regulam comigo em termos de idade e que sejam minimamente ligadas ao futebol, também têm. Finalmente, no caminho para o hotel conversei com o motorista e ele me disse que Pelé é muito querido e reconhecido na cidade mas o Edson, não. Explicou que, para os santistas, o fato dele não ter reconhecido sua filha como legítima era a causa. Achei que era exagero mas não. Ao longo dos demais dias varias pessoas me disseram o mesmo.
Esta introdução é para refletirmos sobre as dificuldades de se gerir uma marca quando ela supera a pessoa. Aliás, Pelé sempre mencionou, em suas entrevistas, o Edson como se fosse uma outra pessoa. A marca Pelé é a sua empresa o Edson, a pessoa. Talvez a clareza destes distintos papéis tenha sido a razão dele ter sobrevivido a tantos percalços que envolveram seu nome ao longo de todos estes anos, mas não a sua marca-empresa.
Conflitos de papéis são muito frequentes em empresas, especialmente nas familiares. Empresa, Propriedade e Família devem ser ao máximo apartadas, segundo as boas práticas da governança corporativa. Quem conhece um pouco do assunto bem sabe que apesar de óbvio isto não é fácil.
Neymar é um rapaz de 26 anos, rico, famoso, de origem humilde e com “aquilo” na cabeça como aliás, sói acontecer com rapazes da sua idade e com o seu perfil. Até aí nada de mais.
Culpar ele ou aquela sirigaita ou as grandes empresas cujos eventuais contratos com Neymar ele perdeu ou possa vir a perder, a mim parece simples demais. Este fato é um excelente exemplo onde, abundam evidências de absoluta falta de governança corporativa da marca Neymar.
Uma marca, de existência não muito longa, da expressão da de atletas desta magnitude requer algumas ações. Neste caso parece óbvio que a marca Neymar não tem uma administração profissional. Demitir “papito” (seu pai) e contratar algum profissional parece uma boa providência, para início de conversa. Claro que isto só não basta. É preciso ter um código de conduta, de ética e que ele seja mais do que uma simples lista de boas ações comportamentais. Criar um Conselho de Acionistas (para onde seu pai poderia ir) e um Conselho Consultivo com ao menos dois profissionais independentes (contratados no mercado e sem vínculo com o jogador, com a família e com alguma pessoa próxima), faz todo sentido. Neste Conselho serão discutidos os resultados da marca, os atuais e os novos contratos, as novas campanhas publicitárias, etc.). Por último e não menos importante, a existência de um sistema de governança corporativa deve ser exigência das grandes empresas para veiculação de seus produtos ou serviços à imagem destes grandes nomes.
Alguns argumentarão que nada disso funciona se a pessoa, o atleta, continuar agindo de forma irresponsável. Tenho que concordar com isso. No entanto, pondero que empresas com grau de governança e compliance mais avançados costumam ser mais bem sucedidas e oferecem menos risco ao seus investidores – no caso, a seus contratantes. Um adequado sistema de governança não é, por si só, salvador de tudo mas, certamente, um belo redutor de comportamentos inadequados ou arriscados, para dizer o mínimo, como o de Neymar que acabamos de assistir.