“A marca é o último lugar no mundo em que se pode brincar!” foi uma das muitas frases ditas pelo Flavio Cordeiro em palestra na Vistage-Rio que me impactou.
Apesar de nunca ter sido um profissional da área de marketing as marcas sempre me fascinaram e ao mesmo tempo me intrigaram. Como elas surgem e como se sustentam ao longo dos anos? Seriam elas, assim como os nomes que os pais colocam nos filhos, resultado de uma escolha aleatória e que torna-se importante e valorizada por conta da qualidade dos serviços ou dos produtos “entregues” pela empresa que ela dá nome? Ou muito mais que um nome ela representa uma imagem, um sentimento, uma “identidade”? Se isso for verdade, qual o significado de um “reposicionamento de marca”?
Convidei o Flávio, para dar uma palestra para o grupo de empresários, sócios e CEO’s que tenho o prazer de coordenar pela Vistage no Rio de Janeiro e o tema e sua abordagem me encantaram. O que me motivou a convidá-lo para uma conversa no meu blog.
Flávio é um carioca, com mais de 25 anos dedicados à publicidade. É sócio e diretor de Estratégia da Binder Visão Estratégica. Na Binder coordena a estratégia de comunicação de marcas como GM, Adoçantes Linea, CEG, Governo do Estado do Rio de Janeiro, Ancar Shopping Center, Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, Raspadinha do Rio e Rio de Prêmios entre outras marcas.
Cordeiro possui uma formação no mínimo incomum: formou-se em História pela UERJ, pós-graduou-se em Administração de Empresas pelo IBMEC e dedicou-se nos últimos anos, por conta deste assunto, a uma especialização em Psicologia Junguiana. Segundo ele essa amplitude de formação possibilitou a criação do Brand Motion, a metodologia de posicionamento de marcas baseada nos Arquétipos Junguianos, assunto ao qual Flávio tem se dedicado ao longo dos últimos dez anos de sua carreira.
Seu método busca criar identidades únicas de marca a partir da analogia com o próprio processo de formação de identidade do ser humano. Para Cordeiro, Identidade = consciência – inconsciência. Quanto maior o nível de inconsciência a repeito da marca, menores são as chances de uma identidade forte capaz de justificar um premim-price ou simplesmente a preferência.
Na entrevista, a seguir, vamos conhecer um pouco desta sua metodologia e também dos principais desafios que as marcas enfrentam no ambiente cada vez mais volátil dos dias atuais.
1 – CRM: Na sua opinião qual é o principal desafio do marketing contemporâneo?
Flávio: Dados do TGI (Target Group Index) nos mostram que passamos a viver num dia de 43 horas. Se somarmos o número de horas que gastamos com tecnologia, mídia, deslocamento, trabalho, sono, amigos e família, o número de horas médio chegará a 43 horas. Isso significa que a percepção de que o “tempo está acelerado” é real. Não é o tempo que acelerou, nós é que comprimimos o tempo ao desempenhar múltiplas atividades simultaneamente. A implicação disso para as marcas é seríssima: num dia de 43 horas as pessoas só concederão atenção para as marcas que as “recompensarem” de alguma forma. Entendo recompensa com algo muito especial: entretenimento, surpresa, informação de qualidade e sobretudo emoção.
2 – CRM: Então, tanto em termos de comunicação publicitária quanto nos demais pontos de contato com o consumidor a criatividade e a inovação continuam sendo as grandes soluções para capturar a atenção num dia de 43 horas?
Flávio: Depende. A inovação e a criatividade, independentemente de estarem atreladas a uma campanha publicitária ou a uma inovação de produto, devem ser antes de tudo pertinentes. Basta lembrar do exemplo da tentativa de mudança da logomarca da GAP, da tentativa de mudança do sabor da Coca-Cola ou da tentativa de mudança do nome Petrobras para Petrobrax – a inovação pela inovação não leva a nada, a diferenciação precisa ser pertinente, respeitar os códigos da marca. Grandes marcas são atalhos mentais.
3 – CRM: Você pode explicar um pouco mais o que você quer dizer com isso?
Flávio: Marcas nada mais são do que atalhos mentais que servem para acessar um conjunto de significados, burlando o uso da razão. Se tivermos que raciocinar muito para nos sentirmos atraídos por uma marca, o trabalho de comunicação não está bem feito ainda. Nesse sentido a criatividade e a inovação devem estar a serviço da construção desse atalho. Uma campanha, um novo produto ou uma nova forma de prestar um serviço, precisam, necessariamente, estar alinhados com a identidade da marca. Parece simples, mas não é. Os exemplos da GAP, PETROBRAX e Cherry Coke são emblemáticos. Outro erro comum é adotar os códigos da categoria. Isso é comum no mercado de cerveja: muitas marcas repetem um código: amigos reunidos, mulheres bonitas, sol, praia e humor. Se você repete esse código simplesmente, vai estar “comprando mídia para o concorrente”. Marcas são campos gravitacionais: se uma marca é um planeta com grande massa ela vai atrair todos os esforços dos “satélites” em torno da sua órbita. Tive um cliente que foi descaradamente copiado por um concorrente (gerando inclusive processos na justiça). O surpreendente é que toda vez que o concorrente anunciava, as vendas do meu cliente aumentavam. A falta de identidade do concorrente (pois era uma cópia) fazia com que parte do seu investimento fosse atraído pelo “campo gravitacional” de meu cliente. Isso nos leva de volta a questão do marketing contemporâneo: identidade ou morte!
4- CRM: E por que é tão difícil manter a identidade de uma marca de maneira consistente ao longo do tempo?
Flávio: Costumo brincar com meus clientes a respeito da “fórmula mágica da identidade”. IDENTIDADE = CONSCIÊNCIA – INCONSCIÊNCIA, nessa equação simples se esconde uma verdade quase universal. A maioria das empresas possui um alto grau de inconsciência a respeito do que a marca é, dos significados que projeta e dos que deveria projetar. Consciência não é saber. Todo mundo conhece os males do cigarro, do sedentarismo, da poluição e no entanto esse conhecimento não é capaz de alterar nenhum hábito, pois não ascendeu à consciência. Com as marcas é a mesma coisa: uma empresa pode ter um monte de pesquisas e dados, mas essa grande massa de conhecimento é confusa, há opiniões demais, pouca certeza, baixa consciência. O aumento da consciência tem correlação direta com a capacidade de desenvolver uma identidade clara e atraente. Num mundo de commodities a identidade (que vai muito além de um brand book e do discurso vazio da missão, visão e valores) é o grande potencial energético de uma marca. Com o alto turn-over das organizações e as metas trimestrais, fica cada vez mais difícil para a companhia resistir as tentações do curto prazo. Identidade demanda consciência e consciência demanda alto grau de maturidade na gestão.
5- CRM: E como se dá o processo de ampliação de consciência de marca?
Flávio: Nós desenvolvemos o nosso modelo e o apelidamos de Brand Motion. Os objetivos do Brand Motion são ampliar a cosciência coletiva da companhia a respeito da marca e coloca-la em constante movimento, na direção certa. São quatro etapas encadeadas: Arqueologia de Marca, Decomposição Analítica, Identidade Arquetípica e Plano de Ação. As marcas tem um potencial latente de identidade, que vai se comoditizando ao longo do tempo, que através do Brand Motion se torna claro e cristalino. Nosso trabalho é desvendar o arquétipo da marca, potencializa-lo e transformá-lo em um plano de ação tranformador. Saber não transforma, o que transforma é consciência.
6 – CRM: Você poderia definir um pouco melhor o conceito de Arqueologia da marca” e “Identidade arquetípica”?
Flávio: Em geral acreditamos possuímos um bom conhecimento acerca do nosso mercado. O que acontece na realidade é que esse conhecimento na maioria das vezes é fragmentado e nem sempre uniforme entre todos os tomadores de decisão em relação à marca.
O objetivo dessa fase é contextualizar a marca em relação aos principais players e banchmarcks e consolidar a visão do todo. É o que eu chamo do poder do contexto. A analogia com a arqueologia é que precisamos escavar a superfície, ordenar os fragmentos de nossa percepção e a partir daí ter uma compreensão ordenada e estruturada do “big picture”. A identidade arquetípica tem a ver com próprio manejo do muito falado e pouco aprofundado conceito de arquétipo junguiano.
7 – CRM: Você poderia definir um pouco melhor o conceito de Arquétipo e como você o utiliza?
Flávio: O conceito de Arquétipo foi criado pelo psiquiatra suíço Carl Gustav Jung no início do século XX e aprimorado por ele ao longo de mais de cinquenta anos. Dentre muitas fabulosas contribuições de Jung (a teoria dos complexos, o detector de mentiras, os Alcóolicos Anônimos, os testes de personalidade, são alguns exemplos) a descoberta dos Arquétipos do Inconsciente coletivo foi sem dúvida uma de suas mais importantes descobertas.
Jung descobriu que a forma como contamos nossas histórias pessoais e coletivas e os símbolos que produzimos nesse processo têm uma longa trajetória que é compartilhada por diferentes culturas em diferentes épocas. Em todos os best-sellers, em todos os sucessos de bilheteria, cada história de super-herói, ou mesmo de líder político e empresarial os arquétipos estão presentes estruturando as narrativas. Cada uma dessas histórias pode ser contada e recontada utilizando-se praticamente o mesmo “núcleo arquetípico”: as formas se alteram, o conteúdo pouco muda.
8- CRM: Você poderia dar um exemplo concreto?
Flávio: Um exemplo curioso é o arquétipo do Trickster ou Grande Rebelde. Esse é o arquétipo do quebrador de regras, daquele que infringe as leis e códigos de conduta aceitos pela sociedade. Podemos encontrá-lo em James Dean e sua juventude transviada, podemos encontra-lo em Ammy Winehouse, podemos encontra-lo na figura polêmica do CEO da Virgin, Richard Branson (e na própria Virgin), mas também nos desenhos animados. Quem não se lembra do anti-ético Pica-Pau, do amoral Homer Simpson ou dos cínicos ácidos meninos do South Park. São todos símbolos de um mesmo conteúdo arquetípico que se atualiza ao longo das gerações em relação à forma. A Virgin tem um posicionamento claro: um posicionamento anti-stablishment; a compreensão do arquétipo dominante da marca ajuda a manter um posicionamento claro, e atualiza-lo constantemente. A consciência do arquétipo fornece estrutura para a marca se desenvolver, se diferenciar e sustentar sua posição a longo prazo.
9 – CRM: E se uma determinada marca quiser mudar radicalmente o seu arquétipo?
Flávio: Esse fenômeno é chamado de enantiodromia, é um nomezinho esquisito importado da Física, que descreve as alterações súbitas de comportamento de uma pessoa que sai do ponto A ao ponto Z sem escalas. É um movimento perigoso. Uma pessoa, assim como uma marca pode alterar substancialmente traços de seu comportamento mas o núcleo de sua personalidade é mais difícil de alterar, ele sempre retorna, porque é a verdade da marca. Marcas, assim como pessoas, têm história. Você pode alterar o rumo da história a favor da marca, potencializar seus traços positivos, despotencializar traços negativos, atualizar sua narrativa, mas o núcleo essencial permanece. Esses casos só são recomendáveis quando os traços de personalidade da marca são muito negativos e irrecuperáveis. Os danos sofridos pela marca Arthur Andersen após o escândalo da Enron certamente contribuiu para a ruptura da marca para Accenture, numa tentativa de redesenhar interalmente o posicinamento da marca. Há casos semelhantes em processos de Fusões e Aquisições, como por exemplo na maioria das privatizações brasileiras. As marcas anteriores associadas à ineficiência e burocracia foram sistemáticamente eliminadas. Mas isso é um movimento diferente da enantiodromia. Alterar o arquétipo de uma marca existente é possível, mas precisa ser um movimento muito bem estudado.
10 – CRM: Como você mesmo disse o conceito de Arquétipo é antigo, você acredita que em meio a tanta evolução tecnológica e mudança de costumes esse conceito ainda é válido para os dias de hoje?
Flávio: Em 29 de abril de 2011 o príncipe Willian casou-se com a plebeia Kate Middleton. O casamento de um príncipe e de uma plebeia é um antigo tema de contos de fada. Algo antiquado, certo? Errado! O casamento real foi assistido por cerca de 2 bilhões de pessoas simultaneamente em todo o mundo e injetou cerca de $ 3 Bilhões na economia inglesa, mais do que o montante gerado pelas olimpíadas. Influenciou a moda, os cortes de cabelo, a indústria cosmética (muitas mulheres no mundo queriam o tom de cabelo de Kate). Aí reside a energia de um arquétipo: ele ativa as camadas mais profundas da psique humana. Um arquétipo é energia pura, você não vê, não toca a energia, mas ela simplesmente está lá: na luz que acende, no motor que gira. Você só precisa descobrir como canaliza-la a seu favor. Os neurocientistas têm provado que cerca de 90% de nossas decisões são tomadas pelo inconsciente. Uma marca é energia pura. Quando essa energia é corretamente ativada ela atrai as pessoas, ela chama atenção, ela energiza seus consumidores. Através de sua história a marca ajuda seus consumidores a contar as suas próprias histórias de vida e a se realizarem.
11 – CRM: Como ter certeza de qual é o arquétipo certo para uma marca em específico?
Flávio: Tenho me dedicado a esse tema ao longo dos últimos dez anos de minha vida. Os Arquétipos são a linguagem do inconsciente, algo do que a recente neurociência está apenas se aproximando. Só que essa linguagem não é “certinha”, organizada como uma gramática. Não! Ela é caótica e se comunica através de imagens. Nós desvendamos o poder das imagens arquetípicas em uma enorme pesquisa envolvendo 2.000 pessoas em todo o país, de diversas idades, condições sociais, escolaridade etc. E o resultado é fabuloso porque prova empiricamente a universalidade das imagens arquetípicas: as emoções e sentimentos evocados por elas e que, se corretamente utilizados, podem ser transferidos às marcas. Desenvolvemos um software, o IMAGO SENSE, capaz de capturar a relação de uma determinada marca ou categoria com um arquétipo. Conseguimos medir de maneira empírica o poder associativo do inconsciente atrelado a uma marca. Mas isso é apenas parte do trabalho.
12 – CRM: O que muda na gestão de uma marca quando ela passa a ter consciência de seu arquétipo dominante.
Flávio: Você já antecipou a minha resposta quando usou a palavra consciência. A partir da tomada de consciência de que arquétipo move a marca, nós iniciamos o verdadeiro trabalho de transformação. Depois disso muitas novas ideias afloram, é um movimento que até hoje me espanta, mas só são implementadas aquelas que favorecem a identidade arquetípica da marca: seja em embalagem, formas de se relacionar com o cliente e com o público interno, tipos de produto e serviços a serem lançados, enfim, a consciência do arquétipo dominante energiza a marca e o que é melhor energiza as pessoas, porque oferece um profundo senso de propósito e propósito é o que nos energiza para acordar todas as manhãs e dormir em paz todas as noites.