Entrevista Prof. Glauco Cavalcanti
É com muito prazer que divido com vocês a entrevista que fiz com o Prof. Glauco Cavalcanti. Ele é uma das joias raras da Rede Management da Fundação Getúlio Vargas. Nos últimos quatro anos (2010, 2011, 2012 e 2013) ele foi o escolhido pela escola e pelos alunos o melhor professor de negociação dentre vários outros, dentre os quais me incluo. Esta entrevista teve início num bate papo descontraído que tivemos num café da manhã de um hotel onde estávamos hospedados para lecionar pela FGV. Ele nos conta sobre como obtém sucesso em sala de aula mas muito mais que isso, nos fala sobre como ter uma mente programada para o sucesso de modo geral.
1 – CRM: A Rede FGV Management entrega todo ano premio aos professores mais bem avaliados no Sistema. Você recebeu por quatro anos consecutivos este premio na área de Negociação. Divida conosco, qual o segredo?
Glauco: Em 2010 fui à Harvard estudar negociação no PON (Program on Negotiation). Confesso que fiquei encantado com os professores, o material de alto nível, as instalações, o campus universitário e, principalmente, com a metodologia que eles utilizam. Conversei com a diretora do PON, a Prof. Susan Heckley e disse que queria fazer uma parceria com Harvard. Meu objetivo era junto com o Prof. Murillo Dias (FGV) levar todos os anos alunos, executivos e empresários para cursar o programa e junto aprender com esta Escola que é referência mundial.
Nos anos 2011, 2012 e 2013 eu retornei à Harvard e aprendi muito a cada ano. Hoje em dia minha aula é uma mistura da aula de alguns professores de Harvard como Robert Bordone, Guhan Subramanian, Lawrence Suskind e Bruce Patton. Meus alunos da FGV tem acesso às mesmas dinâmicas aplicadas no PON. As ferramentas de preparação são idênticas às utilizadas no curso, apenas fiz a tradução para o português. Os alunos ficam encantados com a metodologia utilizada porque percebem que é algo diferenciado, aplicável no dia a dia corporativo e bem estruturado do ponto de vista acadêmico. Importante deixar claro que eu não inventei nada, apenas fui a este centro de excelência e fiz benchmarking.
Faz quatro anos que recebo o prêmio de melhor professor de negociação pela FGV. Por coincidência faz quatro anos que vou à Harvard.
2 – CRM: Coincidência ou incidência?
Glauco: Prefiro deixar esta pergunta para os leitores. Gosto muito daquela frase que diz: “quanto mais eu treino mais sorte tenho“.
3 – CRM: Então quer dizer que basta ir à Harvard que o prêmio vem?
Glauco: Ter um bom produto já é um ótimo começo e Harvard me proporcionou ter este conteúdo superior. Mas para obter avaliação 10 existem outros conceitos que utilizo na busca pela excelência. Um deles é o que chamo de “arte do não erro”. No meu entendimento um excelente professor entra em sala de aula com avaliação 10. Adivinha quem é a única pessoa que pode tirar a avaliação 10 de suas mãos? Resposta: o próprio professor. Isso mesmo. Entramos em sala de aula com 10 mas os erros cometidos é que fazem com que nossa média caia.
Por exemplo, se erramos no timing da aula e uma dinâmica de grupo atrasa a ementa, no final o professor fica obrigado a correr com a matéria. Ao invés de 10, agora este professor receberá avaliação 9,8. Uma piada que agrada 90% da turma, mas 10% se sente ofendida, agora está com 9,6. O professor não teve habilidade para gerenciar um aluno problemático e este se torna uma liderança negativa em sala de aula. A avaliação agora passa para 9,2. E assim por diante.
Muitos colegas professores preferem culpar o aluno, a turma ou a instituição pelas suas avaliações. Eu nunca faço isso. O 10 é meu e a responsabilidade é minha pela condução impecável da aula. Se não tive avaliação superior devo procurar aperfeiçoar e entender onde estão os erros cometidos. A perfeição é ausência de erro. Difícil chegarmos à perfeição, mas devemos sempre buscar este caminho se queremos estar entre os melhores. Aprendi isso no voo livre de asa delta, esporte que pratico faz 19 anos. A arte do não erro. No voo livre um erro pode ser fatal. No meio acadêmico as consequências são menos graves, no entanto meu modelo mental é igual no voo e dentro de sala de aula.
Procurei entender quais eram os fatores que me prejudicavam nas avaliações. Gestão do tempo, falar as regras do jogo no início da aula, gestão de alunos problemáticos, relação teoria versus prática e outros aspectos. Fui reduzindo os riscos e ajustando a fórmula até chegar no melhor resultado possível. Isso ocorreu em 2013 quando consegui ter mediana 10 em mais de 40 turmas. Foi muito gratificante ver que o processo funciona. A arte do não erro. O pensamento que a perfeição é a ausência de erro. Nenhum atleta olímpico ganha a prova pelos acertos, e sim, pelo não erro. Porque quando competimos com atletas de ponta todo mundo acerta muito. Ganha quem erra menos. E na FGV só tem professor de ponta. Por isso devo errar menos se quero ganhar mais um prêmio este ano.
4 – CRM: Uma aula nota 10 pelo visto envolve muito empenho, esforço e disciplina. O que mais é preciso?
Glauco: Entendo que uma aula nota 10 é gerada muito antes de pisar na sala. Trabalho com cinco passos que são:
- Planejamento – Antes da Aula
- Encantamento – Sala de Aula
- Motivação – Entre as Aulas
- Reforço – Extra Classe
- Visão de Futuro – Depois que termina o módulo
5 – CRM: Fale um pouco sobre cada um destes cinco passos?
Glauco: O planejamento é fundamental. Nele preparo material, slides, dinâmicas, ferramentas e construo um cronograma a fim de gerenciar o tempo. Importante também alinhar com a instituição de ensino os recursos que serão utilizados no decorrer do módulo como sala de apoio para realização de dinâmicas, microfone, flip chart e etc. Chegar na hora sem ter o material impresso ou sem recursos disponíveis é um fator que prejudica a qualidade do curso.
O passo 2 é o encantamento. Quando falo de encantamento me refiro à habilidade que o professor possui para levar o aluno a um mergulho no conhecimento. Meus alunos são convidados a entrar no mundo da negociação. Passam a ter familiaridade com os autores e seus pensamentos. O conhecimento é algo encantador e mágico. Como professor você deve ser capaz de promover esta viagem na mente do aluno.
Sempre motivo os alunos entre uma aula e outra através de e-mails. Já no primeiro dia de aula o aluno recebe uma “carta de boas vindas”. Um documento que apresenta o curso, minhas expectativas, leitura necessária e regras do jogo. Entre uma aula e outra o aluno é estimulado a ler artigos e pesquisar sobre negociação. Com isso mantenho-os motivados.
Existem alunos que querem algo a mais e buscam desenvolver habilidade acima da média. Para estes alunos faço um trabalho de reforço extra classe. Todos recebem os mesmos materiais mas sei que apenas os melhores alunos vão se beneficiar dos artigos, livros e oportunidade de estudar em Harvard.
No final do módulo trabalho visão de futuro. Como o aluno poderá continuar a trilha do conhecimento. Que cursos, livros e artigos pode ler a fim de se capacitar em nível avançado.
6 – CRM: Você se guia apenas pelas suas avaliações? Isto é o mais importante para você?
Glauco: Avaliação é consequência do trabalho sério e comprometido. Eu foco no processo. Faço o melhor que posso fazer com os recursos disponíveis. O resultado vem como consequência. Tenho uma aula que está baseada em 14 bons autores, dos quais fui aluno da metade. Conheço os mestres pessoalmente e falo com propriedade sobre seus livros e pensamentos. Alguns professores de Harvard mantenho contato por e-mail e troco informações. Invisto tempo e esforço montando site, preparando material e planejando em detalhe minhas aulas. Anualmente vou a Harvard e aprendo cada dia mais, sou um eterno aprendiz. Em sala de aula faço o meu melhor, me entrego por inteiro à docência. Quero fazer a diferença na FGV. Logo a boa avaliação é consequência deste processo.
E a avaliação mais importante não é aquela feita pelos alunos, e sim, a minha avaliação. As vezes tiro uma avaliação 10 da turma mas saio da sala achando que poderia ter feito melhor. Que poderia ter explicado melhor um conceito ou poderia ter conduzido a dinâmica de forma mais eficiente. Então a auto avaliação é a mais importante e a mais dura. Sou muito rigoroso comigo mesmo.
7 – CRM: Você escreveu, recentemente, um livro excelente sobre empreendedorismo: “Decolando para o Futuro” publicado pela Ed. Campus com a chancela do Sebrae e que, entre outras coisas, é prefaciado pelo fundador da Embraer, ex Ministro , Ozires Silva. Nele você faz uma analogia entre o voar de Asa Delta e o empreender. A pergunta que não quer calar: Voar faz também parte de um dos quesitos para você ter nota dez em sala de aula?
Glauco: Se você utilizar esta analogia entre voo livre de asa delta e mundo acadêmico, podemos pensar da seguinte maneira. Cada vez que o professor entra em sala de aula é uma decolagem, afinal está saindo do campo seguro e se lançando em um meio repleto de desafios. Aprendi no voo livre a respeitar o esporte e cada decolagem é uma nova decolagem. Decolo como se fosse a primeira vez. Quando entro em sala de aula faço o mesmo. Meu grau de atenção é alto e estou em estado de alerta. Procuro descobrir as lideranças positivas e negativas, tento sentir o clima da turma, os alunos com menor grau de entendimento no assunto e os tomadores de atenção.
Quando entro em sala de aula é como se estivesse entrando em uma rampa de decolagem. Estou preparado e equipado com espírito disposto a fazer acontecer. Sei que a viagem será longa e que terei de levar cinquenta alunos comigo neste voo do conhecimento. Existem momentos que voaremos baixo, são momentos difíceis onde a turma não acompanha a matéria ou surge um contra tempo. Existem momentos que voaremos alto, quando a turma participa, pergunta e entra de corpo e alma nas dinâmicas realizadas em sala de aula. No final chegaremos ao destino e pousaremos com um sorriso no rosto e a sensação que cumprimos nossa missão.
Quem procura o voo livre está em busca da liberdade. Quem busca o conhecimento está em busca da libertação das amarras da ignorância. Quem busca conhecimento quer voar mais alto e mais longe na vida. Procuro ser um bom instrutor de voo, aquele que vai lembrá-lo a usar suas asas, afinal sempre digo: “um homem que voa não é aquele que ganhou asas, e sim, aquele que jamais aceitou livrar-se delas”. Quem tem uma mente disposta a pensar pode perfeitamente voar alto na jornada do conhecimento.
8 – CRM: Vou citar um velho ditado que diz: “quem sabe faz quem não sabe ensina”. Como professor de uma disciplina que ensina uma prática milenar que é a arte da negociação, em sua opinião qual o peso entre prática e teoria para ser um melhor professor?
Glauco: O FGV Management tem nos últimos anos recrutado professores que conseguem ter este mix entre teoria e prática. Não basta ser professor PhD com vasta experiência acadêmica, com livros escritos, pesquisas realizadas e artigos publicados nos principais journals do mundo se não tiver experiência prática no mundo corporativo. Vira um teórico e os alunos de MBA não querem isso. Os alunos querem a teoria sim mas desde que possa ser aplicada no dia a dia das empresas. E para fazer este link é melhor que o professor tenha vivência corporativa.
Neste sentido fui ao longo dos anos aprimorando minhas aulas. No passado eram mais teóricas com muitos slides. Atualmente tenho um mix mais inteligente que combina teoria x prática x processamento das atividades. Levo ao aluno o embasamento teórico necessário mas, na sequência, entro com dinâmicas de grupo onde o aluno pode experimentar, praticar, sentir as dificuldades e solucionar os problemas. O processamento da atividade é igualmente importante onde promovo o debate. Neste momento trabalho linguagem corporal e fico sentado. Quero que eles sejam os protagonistas do debate, eu apenas vou conduzindo, estimulando e auxiliando o processo. O professor deve saber a hora de aparecer e o momento de ser invisível, deixando a turma interagir. Este processo é muito rico.
9- CRM: O ajuste fino entre teoria e prática requer um certo grau de desapego . Em que medida um dos obstáculos que um professor precisa vencer para adentrar o ambiente da excelência é superar o querer “ensinar” o tempo todo?
Glauco: Um fruto cai da árvore quando está maduro. Desapego envolve maturidade. Desprender da árvore é sempre difícil mas é um processo necessário para que o fruto dê origem a uma nova vida. Desapegar é sempre um desafio. Os professores em geral não gostam de desapegar do volume teórico, todo professor tem uma enorme dificuldade de podar a árvore do conhecimento. Mas este processo é fundamental porque muitas vezes a copa fica tão grande e volumosa que as pessoas perdem a visão do tronco e dos galhos. Daquilo que é essencial. Com o passar do tempo o professor avança no conhecimento sobre a disciplina e sempre agrega algo a mais, vai aumentando a fundamentação teórica e acha que tudo é de extrema relevância. Aumenta, aumenta e aumenta seu discurso. Mas a verdade é que o aluno quer aprender através de vivência, experimentação e debate.
Os americanos tem uma frase que adoro: “more is less”. Traduzindo: mais é menos. As vezes mais teoria é menos para o aluno. Por isso este equilíbrio entre a teoria e a prática. Dar espaço para que o aluno aprenda através dos seus erros e acertos.
E talvez a coisa mais difícil de todas. O professor deve saber gerenciar o seu ego. Ter a atenção de 50 alunos é prazeroso, gratificante e recompensador. Falar para o público alimenta nosso ego. Mas devemos saber a hora de sair de cena, de ficarmos na sombra para que nossos alunos possam brilhar. O professor maduro deve saber a hora de iluminar seus alunos. E neste sentido lidar com o ego é fundamental.
10 – CRM: Então, Glauco, podemos dizer que o bom professor é aquele que faz com que seus alunos aprendam sem que eles tenham a sensação de estarem sendo ensinados?
Glauco: O professor mediano é aquele que ensina, o bom professor é aquele que motiva a turma a aprender e o professor extraordinário é aquele capaz de inspirar a turma. Capaz de fazer com que os alunos superem seus limites e possam ir além. Lembro daquele filme Sociedade dos Poetas Mortos onde Robin Williams faz o papel de um professor que é acima da média. Existe uma cena onde os alunos sobem na mesa como forma de homenagear o mestre que os ensinou a olhar a partir de uma outra perspectiva. Robin Williams os desafiava, fazia com que pensassem e era capaz de tirá-los da zona de conforto. Isto é mágico e poético. Professores extraordinários não formam alunos. Professores extraordinários formam líderes. E para isso não basta dividir conhecimento da maneira tradicional onde eu falo e vocês escutam. O processo é bem mais sofisticado do que isso, afinal os alunos são co-autores do processo de aprendizagem.
11 – CRM: Glauco, como é lidar com o ego depois de quatro anos de premiação?
Glauco: O ego normalmente se alimenta do passado, daquilo que já se foi. Pessoas egóicas ficam infladas com suas vitórias, e pior, tendem a ficar enraizadas em suas falsas verdades. No convívio em grupo esta vaidade pode inclusive prejudicar o professor premiado que as vezes se torna uma pessoa insuportável ao contar insistentemente suas conquistas. Devemos ter a consciência que ao receber um troféu, este se refere a algum feito do passado, portanto o exercício mais saudável é focar no presente e construir projetos futuros com trabalho sério, e principalmente, humildade. Procuro seguir este caminho.
No último prêmio entreguei o troféu para minha mentora, a Prof Vera Cavalcanti, minha mãe. Ela também é professora da FGV e estava na platéia no evento anual dos professores. Falei ao Diretor Mario Pinto que não receberia o premio e quebraria o protocolo. No momento ele fez uma cara assustada e acho que pensou que eu estava negando o prêmio, mas na sequencia comuniquei que daria o premio à Prof. Vera. Foi um momento muito especial para ela que levou o troféu para casa e colocou na sua estante. Depois me disse que aquele tinha sido o melhor troféu da sua vida. O troféu não está na minha casa, e sim, na casa da homenageada.
A verdade é que um prêmio nunca é uma conquista de uma pessoa só. Existe uma gama infindável de pessoas que permitiram que você estivesse ali no palco sendo homenageado. Sou muito grato aos meus mentores, colegas professores da FGV e coordenadores que apostam no meu trabalho. Sem contar minha esposa que é minha grande parceira de vida e apoiadora. Também sou grato à Isabella, minha filha, que insiste em me receber de braços abertos a cada viagem de trabalho que faço. Minha família é muito compreensiva e isso me proporciona a calma e tranquilidade para alcançar os resultados desejados.
12 – CRM: Glauco você é ainda muito jovem. 39 anos? E o futuro? Quais os planos?
Glauco: Estou começando em Junho de 2014 meu Doutorado na Florida University. Quero ter o título de PhD para futuramente lecionar não só no Brasil como também no exterior. Entendo que este é o caminho natural daquilo que venho construindo. Outro projeto é escrever meu segundo livro, desta vez sobre negociação.
Na FGV quero continuar levando aos meus alunos esta paixão que tenho por negociação e também por gestão de conflito. Sinto que tenho uma missão nesta área e as pessoas melhoram suas vidas quando são capazes de gerenciar melhor seus conflitos ou quando são capazes de comprar ou vender de forma mais inteligente.
Muitos alunos me enviam e-mails contando suas negociações e o sucesso atingido após as aulas. Para mim esta é a maior recompensa. Melhor ainda quando motivo um aluno a ponto de viajar comigo à Harvard. Este é o prêmio máximo para um professor. Poder levar seus alunos para esta Escola que é referencia mundial. No final do curso em Harvard eu promovo uma champagnada no restaurante Top of the Hub que fica no quinquagésimo sexto andar da Prudential Tower. Um belíssimo restaurante com vista panorâmica para Boston. Ali tomo minha champagne com aquele sorriso canto de boca e celebro a vida que escolhi ter como professor. Só tenho a agradecer. Obrigado senhor!
E este é o último ingrediente que faltava, o amor pela docência. Tem que amar muito aquilo que se faz. Tudo com amor é melhor e este é o grande segredo. Tenho amor pelo que faço e por isso faço com tanto entusiasmo.
13 – CRM: Glauco acho que a entrevista ficou muito boa. E você?
Glauco: Sou suspeito para falar. Prefiro o feedback dos leitores e do editor chefe! (rsrs). Obrigado pela oportunidade, forte abraço.