Entrevista baseada na palestra “Gestão de equipe de alto desempenho – O caso do BOPE” proferida pelo sub comandante da instituição – Major Maurílio Nunes feita no Grupo Vistage-CRM coordenado por Cláudio da Rocha Miranda
Por indicação de uma participante do grupo Vistage-CRM, com quem concluiu mestrado de Gestão Empresarial na FGV, tive o prazer de conhecer o Major Nunes*, subcomandante do Batalhão de Operações Policiais Especiais do Rio de Janeiro. Considerando sua experiência, a proximidade das Olimpíadas e os riscos de segurança que um evento com estas dimensões representa, convidei-o para conversar com o nosso grupo. Apesar da sua absoluta falta de tempo, honrou-nos com sua presença contando um pouco sobre sua experiência no BOPE. Citou as diversas situações complexas, riscos, crise gerencial e econômica, pelas quais já passou – e ainda passa – e que muito bem podem ser aplicadas ou comparadas com as situações do cotidiano empresarial. Enfatizou a importância que estão dando para o evento das Olimpíadas e afirmou, textualmente: “tenham certeza que o principal foco neste momento é a PREVENÇÃO e o BOPE estará totalmente empenhado para dar a maior tranquilidade possível à população do Rio de Janeiro e a todos aqueles que virão participar do evento”. A seguir transcrevo um bate papo que fiz com ele sobre os principais tópicos abordados em sua palestra. É uma oportunidade de conhecermos uma perspectiva humana daquilo que se passa com o indivíduo – pai de família e dedicado profissional – e com esta instituição tão importante que combate o terror, o tráfico e os sequestros. Nesta entrevista, tratamos do risco, do medo, da ocupação do Complexo do Alemão, da banda podre da polícia e de diversos outros fatos sobre os quais temos notícia ou vivenciamos enquanto cidadãos de uma metrópole como a do Rio de Janeiro.
Confiram:
1. CRM: Major o BOPE é um batalhão de elite. E como tal é super bem treinado. Não é qualquer um que dele pode fazer parte. Qual a principal característica de um membro de sua equipe?
Major Nunes: Desde os primórdios até os dias atuais, fazer parte do BOPE é compartilhar de um código de conduta rigoroso e nutrir um sentimento de pertencimento a um grupo especial. Nosso processo seletivo busca identificar aqueles que já trazem dentro de si um talento especial. As principais características são: adesão a missão da unidade, a causa comum e a determinação. Mostrar atitude frente ao desafio, utilizando a boa técnica, e nunca desistir. Saber, porém, ter habilidade para combinar esta técnica com inteligência emocional.
2. Como e quando surgiu o BOPE?
Major Nunes: A ideia de criar o BOPE surgiu após o trágico desfecho da ocorrência com reféns no Instituto Penal Evaristo de Moraes, conhecido como “Galpão da Quinta”, em 1974. Na ocasião o diretor do presídio, o Major PM Darcy Bittencourt, que era mantido refém pelos criminosos que tentavam fuga, foi morto juntamente com alguns presos após a intervenção da força policial. O então Capitão PM Paulo César de Amêndola, que presenciou o gerenciamento daquela crise, propôs ao Comandante Geral a criação de um grupo de policiais que fossem especificamente treinados para atuar em ações de extremo risco.
Dessa forma, em 19 de janeiro de 1978 foi criado o Núcleo da Companhia de Operações Especiais (NuCOE), instalado no Centro de Formação e Aperfeiçoamento de Praças (CFAP), em Sulacap.
Em 1º de março de 1991 passou chamar-se Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE).
Em 2011, o BOPE passou a fazer parte do Comando de Operações Especiais (COE), que também inclui o Batalhão de Polícia de Choque (BPChq), o Batalhão de Ações com Cães (BAC) e o Grupamento Aeromóvel (GAM) . A sede da unidade tem previsão de mudança para a região de Ramos, na área de um antigo quartel do Exército, com localização estratégica na cidade, tendo ligação direta com as principais vias expressas da cidade.
3. CRM: “Missão dada é missa cumprida” Qual o significado tangível e intangível para a tropa deste lema?
Major Nunes:Nunca desistir frente aos desafios que possam surgir. Esse lema assume a existência de uma confiança incondicional na liderança em seus liderados, e em nossa missão maior de agir em situações de alto nível de criticidade, sem receios. Confiamos em nossos treinamentos e boa técnica.
4. CRM: Qual a importância, para o Batalhão do filme “Tropa de Elite”? Ele ajudou, atrapalhou ou foi indiferente para a respeitabilidade da corporação junto a população?
5. CRM: Toda empresa procura definir uma Missão. Aliás, não somente as empresas mas também as pessoas, todas deveriam ter definida uma Missão de vida. Algo que justificasse a sua existência. Da para falar um pouco sobre a Missão do BOPE?
Major Nunes: A missão do BOPE é atuar em situações críticas e complexas que extrapolam a atividade das forças policiais convencionais e que demandam alta assertividade e efetividade. Essas situações são diversas, desde a intervenção e ocupação de áreas conflagradas pelo crime, o resgate de reféns em diferentes contextos e a segurança de grandes eventos. Portanto, a missão se traduz num misto de operações ofensivas, defensivas e de manutenção de estabilidade, conduzidas por múltiplas linhas de operação, ora mais voltadas para o contato com a população, ora voltadas para o confronto com criminosos.
6. CRM: Como o ambiente operacional do BOPE requer pessoas diferenciadas para atuarem em ambiente de elevada complexidade você mencionou que o treinamento constante e intenso são diferenciais do batalhão. Hierarquia, certamente é fator determinante neste treinamento. Ocorre que hierarquia pressupõe liderança conquistada através do cargo. Como hierarquia e liderança convivem no grupo? Você concorda que a primeira pode impedir o desenvolvimento da segunda?
Major Nunes: Diversos estudos científicos realizados recentemente na unidade mostraram que temos um mecanismo de gestão que opera a redução da distância hierárquica combinado com o exercício da liderança compartilhada. As lideranças no BOPE precisam ter legitimidade para operar junto as suas equipes. Sabemos que todas as nossas missões apresentam alto grau de risco, e frequentemente, risco de vida. Portanto, outro membro da equipe pode precisar assumir a liderança da equipe em determinadas situações. Para ter legitimidade, toda liderança no BOPE é provada no campo de batalha antes de assumir o cargo, até mesmos nossos comandantes. Podemos considerar uma adaptação moderna da hierarquia.
7. CRM: O conflito no ambiente empresarial é típico de empresas que trabalham sem uma liderança rígida. O bom conflito estimula a discussão, o desenvolvimento, a criação, a minimização dos riscos. Qual a sua opinião sobre isto considerando a sua experiência enquanto administrador de pessoas que fazem parte de um grupo de elite?
Major Nunes: É comum em unidades de elite a adoção de um estilo de liderança compartilhado e consultivo. Como nossas ações implicam em altos riscos para cidadãos e para os nossos membros, a soma das inteligências no planejamento é muito importante. Reduzimos muito a possibilidade de conflito, pois há um grande alinhamento de interesses comuns e abertura à opinião de todos os membros, ainda que o líder seja o responsável pela decisão.
8. CRM: Está na essência dos bons resultados de uma empresa uma Gestão de Pessoas com qualidade. Conte para nós como o BOPE lida com seu pessoal? Como é o processo de seleção? Como são transmitidos os valores da organização?
Major Nunes: Nosso processo seletivo é um ritual de passagem para o policial para uma nova forma de vida. Por isso somos rígidos neste processo para formar um combatente. Queremos somente aqueles que irão persistir no difícil cotidiano da unidade. Uma vez dentro dela, passamos a adotar uma rotina de treinamento intensivo e ações muito frequentes. Nossos valores são transmitidos por nossos exemplos e constantemente disseminados pelos líderes da unidade. Nossos ex-comandantes, mesmo reformados e fora da unidade, estão constantemente conosco zelando pela manutenção da integridade dos valores. Nos monitoramos constantemente, para estarmos sempre em linha com as nossas crenças.
9. CRM: Você citou a importância do planejamento para a ação de vocês. Mencionou inclusive as lições de Sun Tzu – General estrategista e filósofo chinês que viveu nos anos 480 A.C. Fale para nós, exemplificando, algumas ações de sucesso do BOPE, fruto de um adequado planejamento?
Major Nunes: O Planejamento é considerado essencial para o sucesso da missão no BOPE. Através dele podemos analisar os riscos envolvidos na missão e planejar com maior eficiência a mesma. Como exemplo de umas das várias missões na qual o planejamento foi fundamental para o êxito da missão, durante uma das operações no Complexo do Alemão, com o conhecimento adquirido através das lições aprendidas, direcionamos as nossas patrulhas para adentrarem por locais específicos na comunidade e que, consequentemente, os marginais da lei iriam empreender fuga para um ponto específico. No planejamento foi deslocada uma patrulha para esta região de fuga dos marginais, que conseguiram realizar uma grande apreensão de armas, drogas e prisões de marginais. Porém outra característica nossa é a imediata adaptação a novos cenários pois nosso ambiente operacional é muito volátil, muda a toda hora e com isto a capacidade de se adaptar e replanejar também é fundamental para o êxito da missão.
10. CRM: Fazer parte de uma tropa de elite numa cidade como a do Rio de Janeiro requer uma motivação quase religiosa. Como isso é possível de ser obtido?
Major Nunes: Reconhecemos que somos guiados por uma missão maior do que nós mesmos. A grande maioria dos nossos combatentes vive por sua fé. Somos a última linha de resistência entre o avanço do crime organizado e a sociedade civil. Nossa missão maior é defender os cidadãos comuns e libertar todos aqueles que vivem cativos pela opressão de estruturas criminosas e governos paralelos em comunidades carentes. Nesse sentido a nossa missão é muito grande. Perdemos amigos, pais de família, pessoas de bem, nos campos de conflito armado contra criminosos. Temos muito trabalho pela frente. Não desistimos nunca.
11. CRM: É inerente ao ser humano sentir medo. Vocês admitem tê-lo? Como lidam com ele?
Major Nunes: Acolhemos o medo como algo normal, inerente a qualquer ser humano. Quem não sente medo, provavelmente possui algum tipo de distúrbio psicológico. O medo tem um sentido duplo: é um mecanismo de segurança que nos impede de correr riscos desnecessários ao mesmo tempo que nos convida a agir confiantes em nossa capacidade baseados em nossa preparação.
12. CRM: Você pode nos contar uma situação onde você temeu pela sua vida? Como reagiu depois que ela passou em termos de planejamento futuro de sua existência enquanto pessoa, chefe de família e profissional?
Major Nunes: Durante uma operação de infiltração em uma comunidade carioca, eu e minha equipe de 3 policiais nos vimos cercados por mais de 30 marginais armados com fuzis e pistolas. Em principio os mesmos não sabiam onde nós estávamos e nós também não conseguíamos nos deslocar pois nossa rota de fuga estava bloqueada. Ficamos nesta situação por mais de 4 horas até nossas equipe, que estavam fora do morro, conseguirem entrar após intensa troca de tiros. Após este episódio passei a realizar uma análise mais criteriosa sobre o meu inimigo e consolidei a frase ensinada a mim durante o curso de operações especiais: “nunca subestime seu inimigo, ele é cruel e existe”.
13. CRM: Você falou-nos sobre a importância do foco e, principalmente, da visão periférica para as ações de vocês. Fale-nos sobre eles e, em sua opinião, em que medida isso é essencial para o sucesso de um bom gestor?
Major Nunes: Para as operações desenvolvidas pelo BOPE ter o foco apurado é importante para a tomada de decisão. O diferencial é que o foco não pode ser confundido com o que chamamos de “ visão de túnel”, no qual o policial fica tão focado na ameaça que a sua visão fica igual a um túnel, tudo em volta fica embaçado, somente a ameaça fica visível ao agente, como em um túnel que somente o final fica visível. Para evitar este desvio treinamos FOCO + PERCEPÇÃO que consiste ter o foco na ameaça sem perder a visão periférica, estando atendo a tudo o que acontece ao seu redor. Esta técnica nos ajuda a melhorar a segurança e precisão das nossas ações conseguindo identificar várias ameaças ao redor do foco. Traçando um paralelo com as atividades do BOPE, os atuais gestores devem ter a capacidade de focar em suas atividades sem que com isto, percam a percepção do ambiente “operacional”. Desta forma, ficam em condições de identificar ameaças ou oportunidades que apareçam próximas ao seu problema principal.
14. CRM: Não existe grupo perfeito. Policiais infelizmente possuem a sua banda podre, como qualquer outro grupo. E a banda podre do BOPE?
Major Nunes: Tôdas organizações são formadas por indivíduos que usam seu livre arbítrio para tomar decisões. O oportunismo pode ocorrer na polícia, na empresa, na igreja ou em qualquer outra organização social. No BOPE temos mecanismos eficientes para inibir, identificar e punir o comportamento oportunista. Nos orgulhamos que manter a integridade do Batalhão, apesar de todas as dificuldades de enfrentamos em nosso dia a dia.
15. CRM: Major, as Olimpíadas estão chegando. Algum preparativo especial?
Major Nunes: Com certeza, desde que ficamos sabendo que o Rio de Janeiro sediaria os Jogos Olímpicos, iniciamos um planejamento específico para esta missão, um dos maiores desafios para a unidade. Para tal desenvolvemos projetos de aquisições de equipamentos específicos bem como uma intensa carga de treinamentos e formações de especificidades para atender o evento
16. CRM: Vocês avaliam o risco de alguma ação terrorista?
Major Nunes: Na verdade esta análise é feita pelos órgãos de inteligência. Logicamente, fazemos uma análise interna e estamos treinando, intensamente, para poder responder a qualquer tipo de ameaça. Mas, tenham certeza que o principal foco neste momento é a PREVENÇÃO. O BOPE estará totalmente empenhado para dar a maior tranquilidade possível à população do Rio de Janeiro e à todos aqueles que virão participar do evento.
17. CRM: Major Nunes, espero poder contar com você outras vezes. O grupo ficou gostou bastante de sua palestra sobre o tema. Parabéns pela palestra e muito obrigado pela entrevista!
Major Nunes: O prazer foi todo meu.