Mario Alberto tem larga experiência empresarial e é um craque no jornalismo onde hoje atua como comentarista do Telejornal da TV
Gazeta. É também colunista da Editora Abril – Revista Exame, já tendo ocupado o cargo de Diretor de Redação e Vice-Presidente Editorial da Gazeta Mercantil e de Editor Brasil, da Revista Veja. Por tudo isso, minha pretensão de entrevistá-lo foi no mínimo, ousada. No entanto, tenho certeza que o conteúdo de suas respostas são de muita valia para a condução de nossos negócios e reflexão sobre a situação conturbada em que vivemos.

Mario Alberto

Entrevista com Mario Alberto Almeida que acompanha nosso trabalho na Vistage há anos. Sempre que pode conversa com nossos grupos, espalhados pelo Brasil. De forma brilhante nos conduz a instigantes reflexões sobre tendências políticas, econômicas e sociais. No último dia 12 de junho, dia dos namorados e ao mesmo tempo findando a primeira quinzena em que vivíamos o início das manifestações populares, fez aqui no Rio de Janeiro, para o grupo de Presidentes, CEO’s, Sócios e Sucessores que coordenadores, excelente palestra cuja importância de seu conteúdo suscitou a conversa-entrevista que apresento a seguir.

CRM: Mario, fechamos o primeiro semestre do ano de 2013 e iniciamos o segundo onde se acumulam notícias ruins. No Brasil, manifestações populares nas ruas de todo o país, crise das instituições – especialmente dos partidos e dos políticos– deterioração aguda dos indicadores econômicos: produção em baixa, inflação em alta, dólar idem, déficits crescentes tanto o público, quanto os do Balanço Comercial e os de Transações Correntes, crise e quase falência do “império X” (de Eike Batista). No mundo, China apresentando fortes sinais de “desgaste de material”, “primaveras” e contra primaveras por todo o lado (sendo a mais recente, a destituição do Presidente do Egito pelas forças militares), EUA dando sinais de recuperação e Europa andando de lado com viés de baixa! 
Existe relação entre tudo isso e para onde estamos indo?

Mario: No Brasil, o ponto-chave para compreender a situação está no incômodo persistente do custo de vida. Inflação pregada no topo da meta desde o começo deste ano e, sobretudo, com forte dispersão setorial. Serviços têm apresentado alta na vizinhança dos 10% anuais, enquanto os preços dos bens industrializados continuam bem abaixo desse padrão.

CRM: Mario, dispersão ou concentração setorial? Afinal o setor de serviços tem sido o grande responsável pela inflação. Temos tido boas safras e a indústria brasileira vende pouco, muito em razão do baixo preço dos produtos importados consequência de um real sobrevalorizado.

Mário: Dispersão é quando se disseca o conjunto da economia produtiva; tens razão ao destacar que safras boas e insumos importados até recentemente com real sobrevalorizado trazem os preços para baixo, enquanto o maior vilão do custo-de-vida está na falta de competição para serviços. Nesse sentido, a observação de que há concentração setorial no aumento de preços está correta. Porém, a tradição brasileira é de pressão inflacionária em linha na agricultura, indústria e prestação de serviços. Por isso, a ideia de dispersão….

A onda inflacionária deste momento no Brasil teve uma fase inicial de demanda, resultado da elevação persistente na renda real das famílias, origem de dois terços do PIB brasileiro computado a partir das demandas. Mas logo depois surgiu uma componente de custos, quando o segmento de serviços, que corresponde a mais de 60% do PIB, medido pelo lado da oferta, decidiu ampliar as suas margens via preço, aproveitando-se da falta quase absoluta de competição em vista do sistema protetor que mistura a língua portuguesa, que é lindo dialeto quando observado no plano global, com a proteção indireta do modelo tributário que apavora empreendedores estrangeiros e, ainda, as ações discriminatórias oficializadas na legislação.

CRM: Mario, e o governo, fez o diagnóstico correto? Implementou a “terapêutica” adequada diante deste quadro?

Mario: Na maior parte de 2012 ações de curto prazo do governo federal serviram para compensar a tendência de alta no IPCA. Mas a partir do último trimestre do ano passado a situação escapou do controle heterodoxo e a taxa de inflação decolou.

CRM: E quais as consequências disso?

Mario: A partir desse desconforto:

  • Famílias adiam compras, paralisando as vendas. O reflexo imediato disso é o dinheiro curto no caixa das empresas
  • Governo federal amplifica seus gastos correntes como resposta para a queda na demanda interna na tentativa de manter a demanda aquecida
  • Investidores, que adotam táticas especulativas, retiram parte dos ativos aplicados no Brasil
  • Tendência de alta no dólar por efeito dessa iniciativa é reforçada por alta global da moeda norte-americana, por efeito da antecipação que mercados sempre praticam ante a perspectiva de elevação na taxa básica de juros dos EUA a partir de 2014
  • Indústrias começam a remarcar preços no Brasil para compensar esse impacto em seus custos de produção e financeiros
  • Demanda esfria mais um pouco, dando partida num ciclo contracionista que, mesmo sem derrubar o PIB para zona negativa, mantém o Brasil entre os países emergentes de baixo crescimento.

CRM: Mario, quando você diz que a situação escapou do controle heterodoxo significa que a queda de juros foi um equívoco?

Mario: O Banco Central hesitou durante meses até se ver forçado a escolher qual entre dois “inimigos”, aparentemente contraditórios, deveria ser atacado com mais força: a alta dos preços ou a visível retração no sistema produtivo. A decisão de subir os juros para enfrentar o custo-de-vida significa um verdadeiro “cavalo-de-pau”, regressando ao compromisso ortodoxo que foi praticado durante os oito anos do mandato de Lula.

CRM: Mas como é que essa contradição entre dois fundamentos pode tomar pé e dominar a cena econômica?

Mário: Sem qualquer dúvida porque a expansão sustentada pelo consumo interno não tem mais condição para segurar taxas robustas de crescimento do PIB. O ciclo tem vinte anos, pois foi acionado em consequência do Plano Real, aplicado em março de 1994, e depois reforçado com as transferências de renda aplicadas nos dez anos de mandato do PT.

CRM: Mas Mario, a China baseou o seu exponencial crescimento dos últimos anos exatamente fazendo o oposto isto é, sustentando-o através de elevadíssimas taxas de investimento ao contrário do consumo. Agora ela começa a também dar sinais de esgotamento deste modelo. Como explicar isso?

Mario: Porque a China tem de sobra aquele poderoso “exército de reserva” de mão-de-obra que o Brasil já conseguiu aproveitar no período do “milagre”. Gente que vive no campo e quer se transferir para a cidade, topando para isso viver com salários bem abaixo do padrão urbano existente. A China dispõe de 700 milhões de camponeses. Esse grupo social não tem praticamente sistema previdenciário no sentido que conhecemos no Ocidente. Daí a obsessão pela poupança individual, contrapartida das disponibilidades para investimento. Aqui no Brasil o sistema previdenciário é paternalista e populista, oferecendo, por exemplo, pensões a parentes de beneficiários falecidos como não há em qualquer outro país. Existe muito pouco estímulo para quem poupa por aqui.

CRM: Voltando ao Brasil, o que fazer diante dessa lição?

Mario: O próximo ciclo de crescimento do Brasil terá de se apoiar em fatores ligados à produtividade. O desafio do País agora é ingressar na Sociedade do Conhecimento para valer, como protagonista e não apenas como usuário.

CRM: Isto significa que devemos finalmente priorizar os investimentos em Educação? Simples assim?

Mario: Educação é a base do Conhecimento. Mas leva tempo para funcionar: pelo menos dez anos quando se trabalha com as ferramentas adequadas no ensino básico. Mas a luta por incrementos substantivos na produtividade também requer máquinas, sistemas inteligentes e incentivos fiscais para quem investe. E muito capital, insumo que já foi bem escasso no País e que ainda não está disponível a preços adequados para quem busca resultados no longo prazo.

CRM: Mario, e as implicações do cenário mundial na conjuntura e tendências brasileiras?

Mario: No mundo, a questão que ocupa mais espaço na mídia é a continuidade da expansão chinesa àquelas taxas sublimes que cativam e, de outra forma, apavoram o planeta desde meados da década de 1980, sempre por volta de 10% ao ano e frequentemente acima desse patamar fabuloso….
Mas a questão do crescimento global deve ser compreendida num plano mais amplo. Os Estados Unidos têm 25% do PIB mundial e a Europa do Euro está igualmente nesse nível. Em seguida aparece a China, com cerca de 20% e o Japão com 10%. São quatro megaprotagonistas cujo desempenho é cada vez mais interligado e que devem ser examinados ao mesmo tempo.
Isso para dizer que o ponto-chave agora é verificar qual o padrão de crescimento dos Estados Unidos, cuja progressão soa cada vez mais consistente após a debacle de 2008, com tendência a se fixar acima dos 3% ao ano.
Também vale considerar que a China se adaptará de modo a viver com a sua expansão numa faixa anual de 7%. O Japão ganhará algum ritmo na esteira dos EUA e a Europa do euro vive estagnação persistente. No conjunto, o grupo que representa 80% do PIB planetário mostra tendência para crescer na faixa dos 3% em 2013 e ligeiramente acima disso em 2014.

CRM: Considerando então, que o quadro mundial não parece tão assustador assim, podemos afirmar que as implicações dele no Brasil serão positivas?

Mario: Para o Brasil, o efeito articulado desse desempenho vai de neutro a ligeiramente positivo. Para as matérias-primas que constituem a base da pauta de exportações há uma tendência entre analistas de grandes bancos e jornalistas especializados em negócios a dizerem que a tendência é de baixa nos preços. Mas a demanda pela maioria desses produtos se mantém e, neste caso, a probabilidade de deterioração das contas de comércio externo do Brasil é baixa.

CRM: É correto esperar recuperação, ainda que modesta da economia brasileira, com o dólar em alta.

Mário: Sem aqueles impulsos externos que funcionaram como grande motor da expansão na década passada e também como reação inexorável à tendência de alta apresentada pelo dólar, a conjuntura nacional deve se caracterizar pelo câmbio em desvalorização consistente, o que pressionará os preços internos e, por isso, estamos numa fase de juros crescentes. O Brasil crescerá modestamente no biênio 2014-2015 em razão desse quadro. Mas crescerá de qualquer modo – discretamente, ou ainda mediocremente;
Outra característica desta paradeira é que as famílias de renda menor se habituaram ao paradigma assistencialista do Estado: confiam no ingresso de outros aportes do governo federal, a ponto de tomarem empréstimos pesados, por exemplo na compra de imóvel via programa Minha Casa, Minha Vida, contando que haverá perdão das dívidas mais adiante;
Ainda no plano interno, as pessoas estão cada vez mais inclinadas a agir por conta própria: reclamam, passam a devolver produtos abaixo da especificação e rechaçam serviços mal prestados. Nesse sentido, as manifestações de rua que dominaram o cenário durante junho passado atestam essa nova disposição, particularmente visível nas classes médias.

CRM: E o que aguardar para os próximos meses?

Mário: Inflação pressionada pelos custos (Inflação de custos e não de demanda) decorrente em grande parte da baixa produtividade da mão-de-obra (pouca educação); taxa de desemprego ainda baixa (quase pleno emprego) por conta do “bônus demográfico” que o Brasil ainda vive. Bônus demográfico causado pelo grande número de trabalhadores ativos em relação às crianças e adolescentes (abaixo de 18) e aos mais velhos (acima de 60 anos); displicência de empregados na hora de trabalhar: aumentam os casos de retrabalho além do elevadíssimo risco de não aproveitarmos esta fase, que rapidamente passará, nos levando do bônus ao ônus demográfico se não elevarmos nossa produtividade investindo maciçamente em educação

CRM: Você pontuou em sua palestra que o “O Brasil é grande demais para capotar…”. Dá para explicar isso melhor?

Mario: É verdade. Creio nisto, mas não por simples otimismo e sim pela observação de alguns indicadores:

  • PIB de US$2,48 tri equivalente a cerca de R$5 tri – sétima economia de mundo;
  • Investimento estrangeiro direto (IED) – o Brasil é a quarta economia em destino de capitais [2012] com US$65,3bi ficando atrás somente dos EUA (US$167,6bi), China (US$121,1bi), Hong Kong (US$74,6bi);
  • Grande movimentação no rumo do empreendedorismo, com a criação de 1 milhão de empresas em 2012;
  • Crescimento significativo do número de visitantes estrangeiros no país passando de 5 milhões por ano em 2012 para uma estimativa consistente de 11 milhões em 2016.

CRM: Mario dá para fazer um breve comentário sobre o impacto desse quadro que analisamos nas empresas e na política brasileira?

Mario: nas Empresas eu mencionaria:

  • Pressão de custos por conta da elevação dos salários e da baixa produtividade dos trabalhadores (mais retrabalho);
  • Margens de lucro comprimidas, especialmente as do setor industrial, por isso mesmo prosseguindo a tendência à concentração;
  • Dólar mais para R$3,00 do que para R$2,00 sendo que no curto prazo, final do ano, cotado próximo de R$2,30;
  • As empresas terão forçosamente de considerar a alternativa de cortar na mão-de-obra para salvaguardar as margens positivas no período imediato, enquanto trabalham para incrementar a produtividade.

CRM: e na política?

Mario: falar da política brasileira pós-manifestações é no mínimo arriscado, no entanto eu diria:

  • PT “indo embora” mesmo com, ainda, uma provável vitória da Dilma em 2014
  • Sem surgimento de novas caras com capacidade de mobilizar (Aécio e Campos, até agora não mostraram sua cara…)
  • Necessidade urgente de recuperação da representatividade e da credibilidade com risco de colapsar!
  • Probabilidade do surgimento de candidaturas “mágicas” é ainda reduzida tendo em vista da proximidade das eleições (quinze meses somente até as presidenciais), em que pese o indefinido quadro político pós manifestações
  • Qualquer novo nome provavelmente surgirá fora do quadro político partidário tradicional (vide, Marina, Joaquim Barbosa, etc)
  • PSDB em rota para virar “nanico”, seguindo o antigo PFL, hoje DEM.

CRM: Mario, para concluir seria possível resumir tudo aquilo que foi trazido por você em algumas poucas frases?

Mario: Sim. Vou dizer apenas três que julgo servirem bem de síntese no quadro atual:

  • Não haverá soluções mágicas no curtíssimo prazo;
  • Dificuldades devem ser “salamizadas” (tratadas em partes…)
  • O Brasil continua maior do que qualquer buraco à vista.
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